REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO BRASILEIRA EM TEMPOS DE PANDEMIA
- Patrícia Mendes
- 7 de jul. de 2020
- 7 min de leitura
Atualizado: 8 de jul. de 2020

A reflexão sobre os impactos da pandemia do Coronavírus na Educação brasileira é algo fundamental e urgente, porque impõe desafios para gestores, educadores, pais e alunos diante de uma situação inusitada que requer cautela e adaptação de tudo e de todos para agora e para depois.
Na maioria dos estados brasileiros estão sendo disponibilizados desde o início de abril, materiais para que as crianças e adolescentes estudem em casa, por meio de Plataformas Digitais e também com impressos que são entregues às famílias na própria escola.
Porém, de definitivo mesmo ninguém sabe até quando será assim, nem o que será feito desse ano escolar, como se dará os processos de aprovação/reprovação, alunos e professores apenas seguem, aqueles que tem acesso, fazendo o que foi definido pelos governos.
Dificuldades e limitações no acesso ao Ensino Remoto
Por que acima eu disse “aqueles que tem acesso”?
Porque na rede pública, diferentemente da rede privada de ensino, não são todos os alunos que tem acesso e possibilidade de acompanhar o ensino à distância, muito pelo contrário, pesquisas recentes evidenciam uma realidade assustadora.
De acordo com o IBGE, na região Sudeste, que é a que tem maior acesso à internet no Brasil, cerca de 17% das famílias ainda não tem esse acesso, em outras regiões do país essa situação é muito mais grave, se considerarmos as regiões norte e nordeste do país, por exemplo, os números de quem está fora da realidade escolar digital é enorme.
Os motivos são: falta de disponibilidade de internet em determinadas localidades, serviço de internet considerado caro para a realidade de muitas famílias afetadas pela pobreza extrema, falta de conhecimentos de informática suficientes de pais e alunos para acessarem as plataformas, falta de computadores e aparelhos de celulares que muitas vezes estão defasados ou são muito limitados para as necessidades do acesso, dentre outros fatores sociais relevantes do país que se escancaram nesse momento de crise.
Outro ponto relevante a se considerar é o índice de analfabetismo no Brasil que ainda é muito acentuado, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, e sem o apoio de pessoas adultas alfabetizadas em casa, as crianças dificilmente têm condições de acompanhar o ensino remoto tal qual ele precisou ser adaptado.
E ainda se não bastasse, um grave problema que vem à tona é o analfabetismo funcional, de acordo com a BBC News 3 (três) a cada 10 (dez) brasileiros têm dificuldades para ler, escrever, interpretar textos, identificar ironias e até fazer contas simples no cotidiano.
Quando se pensa em educação remota dos filhos dessas pessoas, 3 para cada 10 brasileiros é muita coisa em número de crianças que não podem contar com os pais nessa modalidade de ensino.
Se somarmos os filhos de analfabetos funcionais aos que sequer têm pais alfabetizados e mais os que não têm aparelhos eletrônicos e internet ou os têm, mas sem condições adequadas ao acesso das plataformas, não precisa ser de Exatas para saber que nessa conta a proporção de crianças e adolescentes que estão à margem no ensino remoto no Brasil é gigantesca.
Como lidar com todas as dificuldades?
As dificuldades a serem superadas vão desde o acesso dos alunos aos conteúdos disponibilizados, forma de comunicação entre professor x escola x aluno (família), até a questão dos conteúdos em si que precisam ser pensados de forma que as crianças e adolescentes possam compreender ou ter alguém próximo que os auxilie.
A situação pandêmica escancarou o sucateamento da educação brasileira que já vinha sendo uma realidade e esse cenário atual intensifica uma separação preocupante entre quem vai acompanhar o ensino remoto e quem não vai.
Tudo nos leva à urgente necessidade de pensar como organizar tudo isto e sem saber quando e de que modo as aulas presenciais poderão ser retomadas e já sabendo que será com muitas adaptações, quando estas forem suficientes para dar o mínimo que seja de segurança para o convívio social com menos riscos.
Conversando com professores que atuam na prática na rede pública de ensino do Estado de São Paulo, identifiquei que há turmas inteiras de Educação de Jovens e Adultos – EJA que sequer acessaram a plataforma de ensino disponibilizada, na rede de ensino básica, professores relatam que apenas 1/3 (um terço) dos alunos tem conseguido acessar e manter a comunicação no ambiente virtual de ensino, enquanto que na rede privada a realidade é outra, o acesso é de 100%.
Não quero dizer aqui que a situação da Pandemia cria uma desigualdade, não, essa desigualdade já era uma realidade do país, mas essa situação acentua de forma muito intensa a desigualdade social do país.
O papel dos gestores da educação é pensar em recursos e estratégias que considerem a situação dos professores, dos alunos e das famílias nesse momento.
A situação dos professores na educação remota
Quanto aos professores, se de um lado a escola privada oferece todos os recursos necessários nesse momento para a adaptação à situação inusitada, o que faz muita diferença, de outro lado, a escola pública, apesar de todos os esforços para fazer um bom trabalho docente no ensino remoto, se esbarra na falta de recursos, estrutura e apoio ao docente, o que reflete na qualidade do trabalho e consequentemente na qualidade do ensino que os alunos recebem em casa.
No ensino presencial muito desse distanciamento era possível de se superar com empenho e criatividade dos docentes nas atividades em sala de aula, as dificuldades já eram muitas, mas no ensino remoto elas se intensificam e se escancaram de forma gritante.
Apesar dos inúmeros esforços de tantos engajadores e profissionais de qualidade que estão aí tentando superar todas as dificuldades para garantirem que seus alunos tenham o melhor ensino possível, com eles distantes, em casa e todas as dificuldades citadas, fica bem mais difícil ter um resultado minimamente satisfatório do ensino público.
Na sala de aula o professor tem condições de acompanhar o processo de aprendizado de cada aluno, tem uma percepção do desenvolvimento da turma e de cada aluno individualmente, já no ensino remoto essa visão fica prejudicada, especialmente quando os pais e familiares não tem um nível de conhecimento e acessos para auxiliar os filhos e manter uma comunicação eficiente com os professores nos ambientes virtuais.
O desafio do professor esse ano tem sido acompanhar o processo de ensino e aprendizagem dos alunos com realidades de vida muito diferentes uns dos outros, sem ter contato com eles, com uma maior burocratização do trabalho, enfrentando frustrações e esgotamento mental diante de tudo que lhes foi imposto em um cotidiano de jornadas também excessivas para se adaptar da melhor forma ao ensino remoto.
O processo comunicativo, que era uma comunicação direta, olho no olho, passa a ser mediada por contatos por mensagens, o que é muito mais trabalhoso e desgastante para que o professor possa cumprir seu papel fazendo-se entender e entendendo os alunos e pais.
O professor precisou reinventar toda a prática, gravar aulas, preparar conteúdo para a realidade digital pensando na faixa etária e nível de compreensão dos alunos, e tudo de uma forma muito rápida e intensa, deixando de lado todo o planejamento e organização de rotinas que já havia preparado para o primeiro semestre letivo com as aulas presenciais normais. Tem sido um retrabalho multiplicado por não se sabe nem quantas vezes e até quando vai seguir assim.
É importante lembrarmos que a maior parte dos professores que atuam na Educação Básica hoje se formaram para atuar em sala de aula, muitos fazem uma mesma rotina há anos, e de repente, do dia para a noite foram obrigados a abandonar seus planejamentos e forma de trabalho para se adaptarem à nova realidade.
A “novidade” do ensino remoto tem colocado os profissionais em uma situação de auto cobrança, em que eles, muitas vezes, não se sentem aptos, preparados para cumprirem bem o seu papel como estavam acostumados, como gostariam de estar fazendo na sala de aula.
Tentar manter o vínculo afetivo, tão importante na relação aluno x professor no processo de ensino, também é uma preocupação desses profissionais que impacta até a saúde mental deles, assim como também dos alunos e pais.
Tudo somado tem gerado um esgotamento para todos. Um enorme desafio para o trabalho docente, para as crianças, adolescentes e para as famílias envolvidas nesse processo educativo é tirar as melhores lições na continuação de tudo isso, porque não há um final, tudo que está sendo vivido faz parte do contexto de desenvolvimento de todos os envolvidos e vai compor a sequência da vida após o isolamento/distanciamento social.
Heranças positivas a se esperar da Educação remota
As boas vertentes desse processo doloroso é que esse momento crítico também possibilita o enriquecimento da prática docente a partir dessa nova experiência tão desafiadora, assim como possibilita aos alunos e pais uma abertura para outros pontos de vistas sobre a educação escolar.
Uma herança positiva que podemos esperar desse processo é o reconhecimento do trabalho docente por parte de muitos pais e dos próprios alunos que não tinham ideia de como é necessário e importante o trabalho do professor na sala de aula para o desenvolvimento dos seus filhos.
E ainda, o reconhecimento da instituição escola, quando os alunos e pais estão sentindo falta do ambiente apropriado para a educação, da presença dos professores, das equipes escolares e dos colegas no cotidiano de vida das crianças e adolescentes em desenvolvimento também de suas relações sociais.
Tais fatores podem representar um ganho significativo para quando voltarem as aulas presenciais. É um cenário favorável para que profissionais, alunos e famílias renovadas possam construir uma escola também renovada, com novas regras e medidas que certamente farão parte das rotinas que também vão requerer muita consciência e adaptação.
Embora as questões históricas de desigualdade no Brasil não permitam que todos os alunos sejam atendidos pelo ensino remoto, o que deve ser motivo de muita preocupação, é preciso reconhecer que há muito esforço sendo feito para que tudo ocorra da melhor forma possível nesse momento desafiante ao qual todos nós estamos envolvidos e para o qual ninguém estava preparado.
E que voltar ao normal na escola, não signifique voltar àquele normal de antes, ao padrão “de exclusão” perpetuado. Que depois de tudo isto, e essa experiência que escancara tantas mazelas, voltemos para um normal diferente, melhorado, e que cada professor em formação ou em atuação, cada gestor, cada pai, cada aluno, se coloque nesse processo como agente de transformação da realidade escancarada em busca de melhoras.
Não sei quando, ninguém sabe bem ao certo quando e nem como se dará um retorno às aulas, mas que seja MELHOR, com um diálogo que considere todas as necessidades e realidades escancaradas com tanta intensidade nessa fase de pandemia.
E é por aqui que sempre que eu consigo um tempinho eu vou dando meus pitacos e fazendo minhas reflexões sobre tudo o que acredito sobre e para a Educação escolar, empresarial e social. Se você gostar, segue comigo.
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